sábado, 19 de julho de 2014

Morde a faca e vai...

Imagem meramente ilustrativa
Muitas pessoas ficam perguntando "como faz pra pescar peixes bons" no nosso litoral, como se houvesse um segredo. Estou curtindo as mensagens que recebo por email, mas infelizmente não tenho como devolver uma resposta adequada para cada um que me escreve. Tento sanar algumas questões com o que escrevo aqui e, muitas respostas não tenho para oferecer, pois sou mais um aprendiz. Aprendi muito com meus amigos de pescaria, outro tanto com a observação e insistência. Faz parte do pescador perguntar-se dos "pqs e como"? Quem não pergunta, não se questiona, não aprende!
Um dia, solitário no distante litoral, de carro saí circulando em busca de um bom pesqueiro... já estava longe de casa. Lá pras bandas do farol caído. Aquela região me bota medo por questões diferentes, sempre tenho muito cuidado ao trafegar por lá. É uma terra de ninguém, onde qualquer pessoa que por ali passa pode ser um foragido, assassino, ladrão, etc. Também é uma região que pra engolir um automóvel não precisa muito... estacionou mal e deu as costas pro carro, em 15 minutos teu carro tá com o motor encostado na areia. Aí, nem cristo te tira dali... como não tem nada na região, se fores sair caminhando pela praia até encontrar ajuda, depois de algumas horas teu carro vai estar atolado até o vidro. Não duvide... já vi pescador que se acha experiente de praia, com caminhonete tracionada ver a água do mar circulando na palanca do câmbio, em menos de 2 horas. Se já assustei bastante, sei que vais ter mais cautela... é com isto que me preocupo. O litoral não é todo igual, alguns pontos podem ter características muito próprias. O negócio é avaliar bem onde se está.
Continuando... Um dia, solitário, saí circulando em busca de um bom pesqueiro... depois de muito rodar, parei em um lugar muito bonito. O lugar tinha uma buraqueira de beira de praia, depois vinha uma coroa rasa que encostava no valo fundo da última arrebentação. A arrebentação de fora tinha apenas uma pequena crista de onda que se espumava. Levantava alta, vagalhão largo e quando ia formar crista encontrava o valo fundo se esparramando em espuma. Acertei meu caniço parede 7, carretilha penn reels 140, empate feito com linha 0,80, chumbada de desarmar de 175 gramas, anzol 9/0 e bucha de marisco. Não tinha outra isca... A 140 que eu tinha estava com o rolamento direito (lado da manivela) com folga. Estava muito chato aquilo do arremesso fazer um ruído de rolamento falido. Como não tinha alternativa, vai assim mesmo... era a carretilha que eu tinha e que podia ter o maior alcance possível. Vesti o long de borracha, pois era um dia frio de final de outubro. A água de longe era cristalina e somente naquele lugar era turva. Um mar quase parado com leve pressão de norte para sul. Fui caminhando pela buraqueira, atento aos peixes que circulavam na coroa rasa. Sabia que havia corvinas circulando no litoral, pq era incrivelmente grande a quantidade de barcos pesqueiros e também era forte a notícia da cascuda. A série de ondas era bem regradinha... podia contar de 6 a 7 ondas, e calmaria de 50 segundos, me lembro bem que demorava para encostar nova série. Porém, quando a série encontrava o banco de areia, plataforma onde eu ficaria para realizar o arremesso, a pancada de onda era forte. Tinha que esperar... ia entrando, e percebia-se que a coroa era uma ferradura ali naquele local. Começava a uns 10 metros da beira com água no meio da canela e ia embora até a beira do valo, onde o final dava água na altura do peito. Confesso que era de certa forma, assustador, mas era preciso ir até ali para realizar o arremesso. Este seria o único ponto que encontrei que o "tiro" seria longo o bastante para encostar na espuma que descrevi, onde supostamente havia um banco que oferecesse alimento para o peixe que transitasse pelo valo. Eu olhava para os lados, direita e esquerda, e a arrebentação era mais distante... o mar encostava de forma mais viável naquela região. Esperei a série passar e fui para o lugar mais distante possível. Esperei e visualizei o ponto... sentei o braço o que deu, mas o arremesso não saiu bom e precisei recolher a linha novamente. Retornei para o meio do banco, me reorganizei com a linha no carretel, e tornei a arremessar quando se deu a pausa da série. O arremesso foi lindo... um golpe de sorte e dosagem correta. A linha fez uma trajetória perfeita com pouquinho vento... deu pra ver que a chumbada caiu pertinho de onde eu queria. Pouco antes do pico de ondulação. Fiquei cuidando e quando entrou a ondulação, tive a impressão que caiu pouco antes da espuma formada pelo valo fundo. Estiquei a linha do caniço na praia e deixei esperando. Fui fazer um sanduíche e tomar um refrigerante. Enquanto comia o sanduíche, vi o caniço dar uma mandada bonita, segurou pressão e aliviou bem lentamente, se perder totalmente a pressão. Corri para o caniço e estiquei a linha com alguns passos para trás, e vi que era um peixe pesado. Vinha inicialmente, sem oferecer resistência, mas pelo meio do valo deu umas corridas muito bonitas. Daquelas de não acreditar... Achei que não era corvina, pq se fosse corvina, não poderia ter o peso "morto" do arrasto que sentia no caniço. Quando o peixe não estava nadando forte, era simplesmente pesado... Na hora até pensei que fosse uma arraia grande, mas andava muito ligeiro. Quase não conseguia recolher a linha para manter esticada. Veio rapidamente até a altura do barranco do banco e de momento se negou a subir. Ali, o peixe deu mais umas mandadas muito boas e ágeis, e até me ocorreu que fosse um cação bico doce de bom porte, mas eu nunca havia pescado um, e não confiaria naquela conclusão. Com um pouco de paciência, fiz o peixe subir no banco de areia por umas duas ou três vezes, mas ele tomava fôlego e "deitava o cabelo pro valo de volta". Não dava pra segurar aquele peixe com linha 0,45mm, tinha que ter paciência mesmo. Foi então que resolvi entrar um pouco na água, subi no banco de areia que era longo... e fui tentando fazer o peixe subir de novo no banco de areia. Quando consegui, trouxe com atenção e estrela da carretilha meio aberta... recolhia a linha com a vara, segurando a pressão com o dedo no carretel e, se a pressão aumentava, removia o dedo para então deixar a carretilha trabalhar. Foi bem chatinho trabalhar este peixe... mas ele subiu no banco e mantive ele por ali e, pouco a pouco a carretilha engolia mais linha. Em dado momento vi o nó da linha 0,45 com a 0,60mm, que eu costumo chamar de "arranque". Esta linha 0,60mm representa uma 30 metros de linha, e eu gosto de ter esta quantidade de linha mais forte justamente para trabalhar o final de pesca de peixes mais pesados, além de evitar o rompimento da linha em casa de arremessos com flash. Quando eu consegui colocar duas volta de linha 0,60mm no carretel, aí vi que o combate estava finalizando ao favor do pescador. Fui "rebocando" o peixe para a beira... e vi daquela distância da linha que se tratava de um peixe bom. Desenhava a água com as nadadeiras que quase saiam para fora dágua. Quando consegui colocar o peixe na buraqueira da beira, que dava água na cintura, fiquei na diagonal da praia com o peixe, pois esta situação parecia me dar alternativa para correr junto para dentro da praia e não perder o peixe. Estava finalizando... aproveitei uma ondulação e puxei o peixe para fora, o peixe estava quase no seco. Inclinei o caniço para trás para manter a linha curta e segurei a viola pelo rabo. Me apavorei com o tamanho do bicho... era uma viola muito grande. Acho que tinha, pelo peso e comprimento, cerca de 12 kg. Removi o anzol e larguei ela de volta... saiu nadando livremente. Fiquei muito agitado com aquela captura. Nem bati foto... corri para carro, isquei o caniço de novo e repeti a operação. Deu mais uns 20 minutos e bateu outra vez... quase a mesma coisa, pouco mais tranquilo... e saiu na praia outra viola, pouco menor pelo que pude perceber, mas era outro "monstro" devia ter uns 11 kg. A primeira era tão grande, que a ponta do rabo quase encostava na altura do meu pescoço quando o bico da viola encostava no chão. Era um monstro mesmo... amarela, mais amarelada que o peixe da foto. Soltei as duas, e não bati foto pq estava sozinho, teria que montar tripé e a lida não ia permitir soltar os peixes com integridade física. Optei por soltar... Lembrando o leitor que este é um peixe proibido de abate ou mesmo de captura, e a lei livra o pescador de multa e prisão, somente se vc soltar o peixe imediatamente. Então pra não ficar em desacordo com a lei e com a consciência tranquila, o negócio é voltar pra casa só com o peixe que pode. Pesquei alguns papaterras neste dia e fiquei com a recordação de grandes peixes, que talvez um dia, possam ser pescados novamente por outro pescador sortudo.
Pra pescar grandes peixes... é preciso morder a faca. Não tenha medo, mas tenha responsabilidade. Principalmente quando estiver sozinho, não se arrisque. Pesque com segurança e com sabedoria... Morde a faca e vai no melhor arremesso que puder, pq o presente pode ser um monstro na ponta da linha. 

3 comentários:

Anônimo disse...

vc é fera Beto, eu como pescador e leitor me vejo nas cenas descritas por vc, não pare de nos brindar com essas magnificas historias que vivenciastes.Se puder conte alguma de grandes cações no litoral gaucho.

Roberto Furtado (Beto Andarilho) disse...

Bom dia amigo leitor!
Sempre que puderes, assine ou identifique-se, pois gosto de saber quem acompanha e respondo diretamente. Infelizmente, não tive experiências com cações grandes. Sempre capturei pequenos... um dia pretendo me dedicar exclusivamente a estas, pois já ouvi boas histórias e ano passado enquanto pescava burriquetes, vi um grande tubarão caçando tainhas. Era um peixe muito grande... não era pro meu "bico"! Alguma hora destas farei relatos de histórias que ouvi e assisti, mas um tubarão, jamais pesquei. É um sonho...

Anônimo disse...

certo Beto,deve ter sido um grande momento ver um gigante desses,ja vi fotos de tubarões em redes ,tiradas por um pescador local(farol da solidão) que pescava mangonas enquanto era permitido.Mas conte as historias que ouviu hehe dizem q nas proximidades do farol havia um grande valo e o pessoal fazia a festa,mas não sei se é lenda.
abraço
Renan